
Evgeny Yudin
Autor
Qualificação: International Health Access Consultant
Cargo: Founder of Pillintrip.com
Empresa: Pillintrip.com – International Health and Travel

Por que eu acordo toda manhã preocupado com a dengue
Antes de compartilhar minhas vivências da linha de frente contra essa doença implacável, quero que você veja este alerta urgente da CBS News. A colaboradora médica Dra. Céline Gounder explica o preocupante aumento global dos casos de dengue e por que os profissionais de saúde estão cada vez mais tensos com a expansão do vírus para novas regiões. Esta reportagem ilustra exatamente a dimensão da crise de saúde pública que agora enfrento todos os dias no meu consultório.
No mês passado, recebi uma mensagem desesperada no WhatsApp de uma ex-paciente: "Doutor, estou em Bali e acho que está acontecendo de novo." Três anos atrás, tratei Maria de sua primeira infecção por dengue na Costa Rica. Agora, ela enfrentava a segunda — e eu sabia que sua vida realmente estava em risco. Uma única picada de mosquito durante sua sessão de yoga matinal poderia ser fatal dessa vez. É por isso que eu perco o sono com as estatísticas da dengue. Quando comecei na medicina tropical, víamos talvez uma dúzia de casos por ano. Agora? Já perdi a conta…
Números que me tiram o sono:
- Mais de 13 milhões de casos — só nas Américas, mais pessoas do que toda a população do meu país natal, em apenas um ano
- 3,6 milhões de casos no mundo só este ano — e o verão mal terminou
- Mais de 1.900 mortes — cada uma uma tragédia que poderia ser evitada com diagnóstico precoce
- Aumento de 11% — só na minha clínica vejo o dobro de casos em relação ao ano passado
Fontes: Relatório Atual dos Surtos de Dengue do CDC 2024, Visão Global da Dengue ECDC 2025
Quando comecei a trabalhar em um hospital na Tailândia, meus colegas chamavam a dengue de "a febre que rouba sonhos". Eu não entendia o porquê. Depois de ver centenas de viagens acabarem em UTIs, evacuações de emergência e meses de recuperação, entendi perfeitamente. Mas eis o que me dá esperança: todo mundo que orientei sobre dengue e seguiu meus conselhos evitou complicações graves. Com essa doença, informação é realmente poder.

O inimigo que eu conheço bem demais
Lembro até hoje do meu primeiro caso de dengue — um engenheiro alemão que trabalhava em Jacarta. Ele tinha certeza de que era "apenas malária", já que tomava a profilaxia direitinho. Mas quando o exame de sangue mostrou os clássicos sinais de dengue, ele me olhou como se eu tivesse dado a sentença de morte. "Doutor, achei que se eu evitasse a malária, estava a salvo." Ali aprendi minha primeira lição dura sobre dengue: ela não segue as regras da malária. São quatro vírus diferentes (DENV-1…4) e a memória do sistema imune pode ser uma armadilha no segundo episódio.
Os vilões? Aedes aegypti e albopictus — criei uma rivalidade pessoal com esses pequenos assassinos listrados. Não têm nada a ver com os do mosquito da malária, que picam à noite. Esses são do dia, amam morder tornozelos no café da manhã e podem se reproduzir até mesmo numa tampinha de garrafa cheia de água. Já os vi botando ovos em cascas de coco largadas na praia e em pratinhos de vasos de luxo de hotel.
Quatro sorotipos da dengue: por que a segunda infecção é tão mais perigosa
Deixa eu contar do Carlos, instrutor de mergulho que tratei em Cozumel. Sua primeira dengue três anos antes foi forte, mas suportável: febre, dores, uma semana de cama. Quando pegou uma nova cepa, os próprios anticorpos dele viraram inimigos. Ao invés de protegê-lo, ajudaram o novo vírus a se espalhar mais rápido. Vi a contagem de plaquetas despencar tão rápido que mal deu tempo de estabilizá-lo. Isso é a “potencialização dependente de anticorpos” — as boas intenções do sistema imune que acabam mal.
O que digo para todo expatriado ou nômade digital: viver em território de dengue é mais do que evitar uma infecção, é se cuidar para nunca pegar a primeira — ela deixa você vulnerável a um segundo encontro muito mais perigoso. Já vi expatriados relaxarem depois de um "caso leve" e depois quase morrerem no segundo.
As áreas de perigo globais que enfrento diariamente

Tenho na mente um mapa do mundo colorido pelos perigos da dengue. Ao longo dos anos, trabalhei ou assessorei clínicas nesses pontos críticos, e posso garantir: o risco é bem real. É a mãe chorando em Manila, cujo filho precisou de transfusão urgente; são casais em lua de mel na Costa Rica que acabam em uma evacuação hospitalar de emergência.
Áreas de alto risco (surtos ativos)
- Sudeste Asiático: Meu antigo lar. Tailândia, Vietnã, Filipinas — tratei casos em todos esses lugares. Quem está em Bangkok sente diferença quando chega a estação das chuvas.
- América Latina: O Brasil quase partiu meu coração com o volume de casos. Colômbia, Peru, Equador — onde quer que eu fosse, o pessoal da saúde parecia esgotado na temporada de dengue.
- Caribe: O estado de emergência em Porto Rico foi sério — prestei consultoria lá e vi hospitais superlotados. República Dominicana e Jamaica estão no mesmo caminho.
- Sul da Ásia: A mistura de monções e dengue em Bangladesh é de arrepiar qualquer médico. Índia, Sri Lanka, Nepal — onde a densidade populacional deixa tudo explosivo.
- Ilhas do Pacífico: Nem o paraíso escapa. Fiji parece o Éden — até a chegada da temporada de dengue e tempestades tropicais.
Áreas de risco emergentes
- Sul dos EUA: Flórida, Texas, Havaí (casos importados aumentando)
- Sul da Europa: partes da Espanha, França (devido às mudanças climáticas)
- Austrália: norte da Queensland
A sazonalidade importa. Nos trópicos, dengue costuma atingir o pico durante e logo após a estação das chuvas, quando a água parada facilita a proliferação dos mosquitos. Porém, com a mudança climática, nada disso é garantido.
Reconhecendo os sinais: como realmente é a dengue
"Doutor, sinto como se alguém estivesse quebrando todos os meus ossos com um martelo." Foi assim que Jake, um instrutor de surfe da Califórnia, descreveu sua dengue para mim na clínica de Bali. Os livros falam em “febre quebra-ossos”, mas até ver um adulto chorando de dor óssea, não se entende de verdade. O difícil é que, no começo, os sintomas se disfarçam de gripe ou intoxicação alimentar.
Sintomas clássicos da dengue (dias 1–3)
- Febre que chega de repente — num momento você está bem, no outro arde a 40°C e treme sem parar
- Dor de cabeça intensa — muitos relatam sensação de pressão nos olhos
- Dores profundas nas articulações — já vi muito marmanjo chorar sem conseguir nem levantar um copo d’água
- Náusea persistente — tudo volta, até água, o que apavora porque desidratação pode ser fatal
- Aquela mancha de pontos vermelhos — quando aparecem lá pelo 3º ou 4º dia, não resta dúvida
Sinais de alerta de dengue grave (dias 3–7)
Quando oriento: corra para o hospital sem demora!
- Dor abdominal que faz até perder o fôlego
- Vômito incontrolável — até a água volta
- Respiração difícil, falta de ar
- Qualquer sangramento — nas gengivas, nariz, … plaquetas despencando
- Vômito com aspecto de borra de café ou fezes escuras — hemorragia interna, urgência!
- Roxos aparecendo do nada, como se fossem pintados à noite
- Ou sonolência excessiva, ou inquietação extrema — seu cérebro está em risco

A pegadinha da dengue é que, por volta do 3º ou 4º dia, você pode se sentir melhor, mas é justamente aí que complicações podem surgir. Jamais baixe a guarda durante a fase crítica (dias 3–7).
Minha estratégia pessoal de combate à dengue
Depois de quinze anos assistindo casos evitáveis de dengue chegarem ao meu consultório, aprimorei o que chamo, meio de brincadeira, de “Kit de Sobrevivência do Viajante Paranoico”. Cada história de prevenção que dá certo recompensa um pouco a dor dos casos graves. Vou compartilhar a estratégia que salvou centenas de pacientes meus.
Nível 1: Controle do mosquito
DEET já salvou mais vidas do que posso contar. Vi muita gente desprezando o “cheiro de química” e voltando doente no 3º dia. Não seja essa pessoa. DEET a 20–30%, reaplicado religiosamente a cada 4–6 horas. Sim, tem cheiro. Não, isso não te mata. Mas não usar pode, sim.
- Roupas: Camisas e calças compridas, principalmente de manhã e à noite
- Cores claras: Mosquitos preferem roupas escuras, use claros
- Tratamento do tecido: Para estadias longas, considere roupas tratadas com permetrina
Nível 2: Atenção ao ambiente
Mosquitos Aedes botam em água limpa e parada — são exigentes na escolha do criadouro. Elimine criadouros onde estiver:
- Esvazie recipientes de água, vasos e pratinhos todos os dias
- Verifique se há água acumulada em ar-condicionados
- Garanta boa drenagem no entorno
- Dê preferência ao ar condicionado — mosquitos odeiam frio
Nível 3: Escolha da hospedagem
Não é toda hospedagem igual quanto ao risco de dengue:
- Andares mais altos são melhores: Aedes raramente voa acima do 4º andar
- Janelas e portas bem teladas
- Quarto com ar condicionado sempre que possível
- Locais com controle ativo contra o mosquito

Tratamento e medicação: o que funciona (e o que não funciona)
Infelizmente, não existe tratamento antiviral específico para dengue. Mas isso não significa estar indefeso. O segredo é cuidar dos sintomas e saber quais remédios usar — e, principalmente, o que não usar.
Analgésicos e antitérmicos seguros
O único analgésico que recomendo para dengue: Paracetamol
Já vi paciente quase morrer por tomar o remédio errado. Por isso recomendo só uma opção: Opções seguras de acetaminofeno.
Minha orientação: 500–1.000 mg a cada 6–8 horas, mas nunca ultrapasse 4g por dia. Seu fígado já sofre por causa da dengue.
Para viajantes internacionais: Paracetamol
É o mesmo remédio, só muda o nome — no mundo todo é chamado de acetaminofeno: Marcas internacionais de paracetamol.
Dose igual ao acetaminofeno — é exatamente a mesma coisa, só muda o nome.
Medicamentos QUE DEVEM SER EVITADOS
Remédios que podem ser fatais no contexto da dengue:
- Aspirina: Já vi paciente com hemorragia grave no hospital por tomar isso durante a dengue
- Ibuprofeno (Advil, Motrin): Faz desabar suas plaquetas já baixas
- Qualquer AINE: não importa o nome — se termina com -profeno, está fora
- Corticosteroides: Seu sistema imune já está confuso o suficiente sem eles
Hidratação: sua linha de vida
Mais pacientes de dengue morrem desidratados do que pelo vírus em si. Veja como oriento:
- Sais de reidratação oral (SRO): fundamentais para repor eletrólitos
- Bebidas claras: água, água de coco, caldos claros
- Pequenos goles frequentes: melhor do que grandes volumes de uma vez
- Observe a cor da urina: deve ser amarelo claro, não escuro
Se não conseguir reter líquidos por causa do vômito, procure imediatamente o hospital para hidratação venosa.
Vozes das minhas salas de atendimento

As lições mais marcantes vêm de quem sobrevive. Não são histórias de manual — são pessoas reais que carrego comigo todos os dias. Ao ler estes relatos do Reddit, vejo rostos de pacientes que tratei, e quero que você aprenda com a dor deles para não precisar viver algo parecido.
O surto psicótico que mudou tudo
A história de VincentPascoe (nômade digital, Jacarta/Tailândia):
Eu estava viajando havia uns 18 meses quando peguei dengue em Jacarta. Primeiro achei que fosse só cansaço, mas quando a febre foi piorando perdi a visão, comecei a ouvir vozes e me desconectei completamente da realidade. Embarcando no avião, meu passaporte “falou” comigo e por 8 horas falei sozinho... Quando cheguei na Tailândia, dei minha carteira inteira a um motorista de tuk tuk, e tive sorte de ele e os outros não se aproveitarem de mim.
Depois, Vincent soube que existem relatos na literatura médica de surto psicótico e mania causados por dengue. Ele se recuperou totalmente após alguns meses.
Fonte: Reddit - r/digitalnomad
A experiência do Vincent ilustra uma complicação rara porém reconhecida da dengue — sintomas neurológicos, inclusive surtos psicóticos. Embora seja extremamente incomum, nunca “aguente” sintomas neurológicos — mudou a mente, procure ajuda médica.
A visão realista de um expatriado na Tailândia
Morador de Bangkok (mais de 15 anos):
Vivo há uns 15 anos numa parte bem rural da Tailândia e já percorri o país quase todo. Morei em vila, em cidade grande, em tudo o que há no meio. Nunca peguei dengue (bate na madeira, que esse texto não me amaldiçoe). Não é rara, mas está muito longe de ser inevitável — a maior parte das pessoas nunca tem.
Meu conselho: use repelente (o de verdade, com DEET). Quanto menos picada, menor seu risco. Não importa o que você faça, de vez em quando mosquito vai morder — só faça o possível pra minimizar e dificilmente vai ter problema.
Fonte: Reddit - r/ThailandTourism
Esse relato mostra o que é viver em área endêmica: há um risco, sim, mas controlável. Vale reforçar a advertência — a segunda infecção pode ser ainda mais perigosa, sobretudo para quem vai morar nesses países.
Dicas especiais para expatriados e viajantes de longa permanência
Se você vai mudar para uma área endêmica de dengue ou ficar por bastante tempo, seu risco aumenta muito. Atenção para:
Realidade de quem mora fora
Moradores permanentes enfrentam desafios especiais:
- Maior tempo de exposição: mais oportunidades de ser picado
- Risco de diferentes sorotipos: probabilidade maior de encontrar diferentes vírus
- Relaxe nos cuidados: com o tempo, muita gente afrouxa os hábitos preventivos
- Saber como funciona o sistema de saúde local: encontre bons médicos e hospitais
Vacinas: o que saber
A vacina contra a dengue (Dengvaxia/Qdenga) existe em alguns países, mas não é para todos:
Quem pode tomar?
- Normalmente recomendada só para quem já teve dengue antes
- Está disponível em alguns países, cerca de US$ 60 por 2 doses
- Protege por 4–5 anos
- Consulte um especialista em saúde do viajante antes de vacinar
Como se proteger a longo prazo
- Escolha bem onde morar: andares altos, bairros bem cuidados, drenagem boa
- Invista em proteção de qualidade: boas telas, ar-condicionado, controle profissional de insetos
- Crie uma rede de saúde: encontre médicos e hospitais confiáveis
- Não relaxe nos hábitos preventivos: rotina pode causar descuido
- Faça um bom seguro saúde: que cubra dengue e evacuação de emergência
Quando procurar atendimento: sinais de alerta que você não pode ignorar

No dengue, tempo é tudo. Veja meu guia de decisão para buscar ajuda médica:
Emergência imediata (chame ambulância/vá ao hospital)
- Falta de ar ou dificuldade para respirar
- Dor abdominal forte
- Vômito persistente (não consegue manter líquidos)
- Sangramento (nariz, gengiva, vômito/fezes)
- Sinais de choque (pele fria/suando, pulso rápido, confusão mental)
- Alteração do estado mental (confusão, agitação, comportamento inesperado)
Procure atendimento rápido (em até 24h)
- Febre alta (acima de 40°C) por mais de 24h
- Dor de cabeça forte com dor nos olhos
- Incapacidade de manter líquidos
- Fadiga extrema
- Manchas na pele junto da febre
- Qualquer febre numa área de risco sem causa definida
Consulta padrão (em até 48h)
- Sintomas de gripe depois de viagem a área de risco
- Febre baixa com dor no corpo e dor de cabeça
- Acompanhamento da recuperação (dias 3–7 da doença)
Dica prática: nos países endêmicos, os médicos locais estão muito acostumados com dengue. Não tenha medo de procurar hospitais locais — eles lidam com a doença diariamente e sabem o que fazer.
Como é o atendimento no hospital
Entender o processo do diagnóstico ajuda a tirar ansiedade:
- Exames de sangue: hemograma (plaquetas), função hepática
- Testes da dengue: antígeno NS1, anticorpos IgM/IgG, PCR (depende do tempo de sintomas)
- Monitoramento: pressão arterial, diurese
- Cuidados de suporte: soro na veia, controle da febre
A maioria dos casos não graves de dengue pode ser tratada em casa com muito acompanhamento. Internação geralmente só nos quadros graves ou com sinais de alerta.
O que me faz continuar lutando
Todas as manhãs, ao abrir a sala de atendimento, penso em duas coisas: nos pacientes que não salvei e nos centenas que voltaram completamente curados por seguirem conselhos como esses. O dengue está ganhando a batalha global agora — os números não mentem. Mas na luta individual, na sua própria história de viagem, você pode, sim, ganhar. Vi isso acontecer tantas vezes que não posso duvidar.
Minhas últimas palavras a cada paciente:
- Prevenir não é paranoia, é sobrevivência: DEET e roupas longas não são moda, são seguro de vida
- Escute o corpo quando ele grita: aquela sensação de “pior gripe da vida” não é normal — procure atendimento
- Água salva vidas: já salvei mais gente com soro do que com qualquer remédio caro
- O remédio errado pode matar: só use paracetamol. Sua vida depende disso
- Orgulho gera queda: todo “fortão” que ignorou sintomas me ensinou humildade do jeito difícil
Vai lá explorar esse mundo maravilhoso. Mas depois conte tudo pra mim, combinado? O melhor do meu trabalho é receber mensagens de pacientes que realizaram seus sonhos — livres de dengue.
Fontes:
- Relatório Atual dos Surtos de Dengue CDC 2024: https://www.cdc.gov/dengue/outbreaks/2024/
- Relatório Mundial Dengue OMS 2024: https://www.who.int/emergencies/disease-outbreak-news/item/2024-DON518
- Visão Global da Dengue ECDC 2025: https://www.ecdc.europa.eu/en/dengue-monthly
Aviso médico: Este artigo é apenas informativo e não substitui orientação médica profissional. Sempre consulte um profissional de saúde antes de viajar para regiões com dengue.
